Impunidade corporativista



Um fato chocante marcou as manifestações durante a grande Greve Geral de 28 de abril. Um estudante universitário teve traumatismo craniano quando foi atingido na face por um policial, cujo cassetete usado no ato ficou totalmente destruído. A revolta frente a tamanho abuso do poder de repressão da força policial é muito grande. E maior ainda por conta da impunidade que impera quando os grupos envolvidos têm como julgadores seus próprios pares.

Falamos de policiais, cujo evidente despreparo fica flagrante durante eventos de grande monta como essa fantástica Greve Geral contra as “reformas” desmontes da previdência e da legislação trabalhista, mas também em outras ações, como as famigeradas reintegrações de posse contra miseráveis. Mas pior que o despreparo é quando as ações da polícia colocam em prática uma crença coletiva de que qualquer manifestação social contrária à preservação da situação atual merece dura repressão, com exagero de força, a fim de desestimular ações futuras. É a polícia agindo como braço armado repressor de contestações que coloquem em xeque a ordem dominante, que favorece apenas aos grupos sociais que se privilegiam da forma atual como está a sociedade.



O que aconteceu com Mateus, o estudante atingido covardemente na face pelo capitão Augusto Sampaio, subcomandante da 37ª Companhia Independente da Polícia Militar de Goiás, está totalmente fora do padrão da ação de contenção da polícia militar, fato reconhecido pelo secretário de segurança pública de Goías, Ricardo Balestreri, que “se posicionou por meio de uma rede social condenando a ação do policial militar. Ele declarou que todo PM sabe que não deve atingir ninguém na cabeça durante tentativa de imobilização. O secretário também reconheceu que a PM nem sempre recebe os equipamentos e treinamentos necessários para progressão da força”.

Mas todos sabemos o que vai acontecer com o capitão Augusto Sampaio em decorrência de sua ação abusiva: nada! Aliás, podem acontecer várias coisas: pode receber congratulações dos colegas, pode ser discretamente ou descaradamente premiado pelos “serviços prestados”, pode ser “punido” com sua transferência ao serviço administrativo da corporação. Mas não vai pagar pelo abuso cometido.



Isso porque a polícia é uma força corporativista. E o que ocorre na polícia não é exclusividade dela. O corporativismo está presente também entre aqueles que deveriam julgar os abusos, os juízes, assim também como está entre os médicos e entre os padres/pastores religiosos. Um dos significados de corporativismo é: “defesa que prioriza a categoria profissional ao invés da sociedade de uma forma geral”. Ou seja, tais grupos profissionais se defendem uns aos outros, ao invés de promover uma investigação e consequente punição isentas e justas. E isso acontece porque os que julgam pensam mais em como gostariam de serem tratados caso estivessem sob a investigação dos colegas. Como grande parte deles sabe que têm a que ser condenados, preferem estabelecer uma ação de proteção aos pares, a fim de que, caso chegue sua vez de serem julgados, receberem também um tratamento mais suave, mais protetivo.



É claro que há exceções. Evidentemente que há ótimos policiais, protetores dos cidadãos, garantidores da lei, combatedores dos abusos no uso da força, seja por terceiros ou por colegas de corporação. Evidentemente que há bons médicos, cuja atuação é baseada na ética profissional e que nunca cometeriam abusos criminosos como os de Roger Abdelmassih. Assim como há padres/pastores religiosos com dedicação exemplar à causa do evangelho e da religião. Juízes cuja conduta é exemplar e representativa da prática da verdadeira Justiça. Isso é fato. Não se pode negar isso. Mas também não se pode negar que os casos de bons exemplos não podem encobrir ou fazer negar a existência dos que cometem abusos e crimes e usam da força do coletivo profissional para acobertarem seus maus feitos. E quando criticamos abusos e crimes, quando destacamos características negativas de determinados membros de alguns desses grupamentos profissionais, não nos referimos à totalidade desses profissionais, mas àqueles que justamente se encaixam na descrição feita.



Então, quando nos referimos aos policiais despreparados, desequilibrados, assassinos, bandidos fardados, cachorrinhos do Estado, capitães do mato modernos, não queremos generalizar para todos os policiais, mas queremos nos referir justamente àqueles que se adequam a tal descrição, pois eles existem, e são muitos! E é preciso que se fale deles, pois eles constituem uma verdadeira banda podre na polícia. É preciso rediscutir o papel da polícia, assim como é preciso rediscutir o que se espera da polícia em tempos de suposta democracia. Pois, desde o golpe que derrubou uma presidenta legitimamente eleita, estamos em estado de exceção, sem vigorar a democracia.

Mas a sociedade precisa da polícia, assim como a polícia não tem sentido se não estiver a serviço da sociedade, e da sociedade como um todo. É preciso uma polícia cidadã que saiba lidar com os ricos nos bairros nobres e com os pobres nas periferias. É preciso uma polícia que reconheça os direitos de cidadania, que saiba que questões sociais não se resolvem com ela, que atue integrada às comunidades em que se faz presente, e não como força armada invasora, violando direitos de pessoas que não cometeram nenhum crime, apenas por serem pobres e pretas. A polícia é necessária, desde que não seja mais uma força a reprimir os anseios legítimos da parte mais vulnerável da sociedade, mas que garanta aquilo que é seu papel precípuo: a segurança pública.

Gustavo Lopes Borba

02/05/17 

2016, o ano que vai embora lutando



Nos estertores de 2016 resolvi escrever após 6 meses sem fazê-lo. O que me motiva é a tentativa de fazer um balanço deste ano que tanto sofrimento causou a mim e à nação. Não é uma tarefa fácil repensar este difícil ano, mas não poderia deixar de fazê-lo como uma forma de expurgar o que ele trouxe de ruim e uma tentativa de voltar a escrever, neste momento em que tantos absurdos acontecem em Brasília e a mídia corporativa dissemina inverdades e controla as mentes ao defender propostas que prejudicam a toda a população brasileira.


Em primeiro lugar, quero abordar os motivos de ter parado de escrever. O último texto que divulguei foi em 28 de junho, quando abordei o ataque à casa noturna para público LGBT Pulse, em Orlando, quando o filho de imigrantes afegãos matou 49 pessoas e feriu outras 53. Depois disso, não abordei mais nenhum assunto, não por inexistência, mas por completa incredulidade, seguida por um profundo desânimo em continuar a escrever. O fato a motivar isso foi, evidentemente, o golpe jurídico-midiático-parlamentar que terminou com os 31 anos de retorno à democracia no país, a partir do fim da ditadura civil-militar. Apesar dos golpistas alegarem que seguiram os trâmites ditados pela constituição federal, é evidente que houve a ruptura das normas constitucionais e a instauração de um golpe contra a democracia, disfarçado de legalidade. O choque dessa armação política foi grande para mim, que não acreditava que a farsa seguiria até este final. Tolo, acreditava que as instituições teriam autonomia e caráter para estancar a aventura irresponsável que foi fomentada pela mídia, realizada pelo parlamento e silenciada pelo judiciário.


A ruptura democrática me atingiu de forma profunda. O desânimo me atingiu e cheguei a sentir os inícios de uma depressão. É que tudo era tão irreal e inverossímil que o choque me paralisou. Como podia ser que o país passasse por tamanho tumulto na vida política após tantas conquistas? Como não haveria uma reação do último bastião de defesa da legalidade, o Supremo Tribunal Federal, a atestar a falta de motivos para o impeachment de Dilma, uma vez que não havia crime por ela cometido? Como não estarem ocorrendo contestações institucionais fortes contra um processo totalmente fraudulento e imotivado, como foi o impeachment? E, após a tragédia, após a fraude se confirmar, como crer no país, em suas instituições, em uma possibilidade de futuro para uma nação que vive tamanha desfaçatez sem haver vozes fortes que denunciassem o absurdo que ocorria e jogava o país no caos político e no descrédito institucional? Pois tudo isso que aconteceu mostrou a todo o Brasil e ao mundo que o país não é um país sério, não passando de uma republiqueta de bananas, onde as instituições não se regem por leis, mas por interesses casuísticos temporários, como o manifestado pelo presidente do STF à época do impeachment, Ricardo Lewandowski, que marcou reunião com Dilma em meio ao tumulto do pré-golpe para discutir aumento salarial dos ministros nababescos!





Para mim ficou flagrante a total falência das instituições que devem reger um Estado democrático de direito. E se assim o é, viver num país como este não deixa de ser completamente um risco. Onde o judiciário, que deveria ser a última instância de proteção da legalidade, age politicamente e distorce a interpretação das leis de acordo com os interesses da ocasião, não se pode sentir seguro! É o fim do Estado de direito e o reinado da tirania judiciária. Afinal, não podemos esquecer que o Supremo fez parte das articulações para o golpe!


E por falar em judiciário e Supremo, este foi o ano em que o Supremo se superou! O ministro Marco Aurélio Mello expediu liminar pela destituição de Renan Calheiros do cargo de presidente do senado, pois ele acabara de se tornar réu e já há decisão de que não pode haver nenhuma pessoa com impedimento legal na linha sucessória presidencial. Assim, Renan não poderia permanecer presidente do senado sendo réu. O que fez o conhecido alagoano? Fugiu e se escondeu do oficial de justiça para não receber a notificação! Isso por si constitui crime e deveria garantir sua prisão. Mas não foi isso o que aconteceu. Em sessão plenária, o supremo decidiu que Renan não pode mesmo assumir a presidência em caso de vacância do cargo, mas ele poderia continuar como presidente do senado! Hein? Ele desafia uma decisão do órgão máximo da justiça do país e ganha como prêmio a continuidade no cargo? Como se fosse um jogador de futebol que pode continuar jogando após falta forte, mas só não pode marcar gol! Está quase igual à punição para juízes, que é a aposentadoria compulsória com salário integral! Com essa postura submissa, não há outra maneira a não ser chamar de “supreminho” a esse órgão máximo do judiciário.





Outro que merece a pecha de “inho” é o congresso nacional, que tem aprovado sem nenhuma reflexão ou discussão democrática as propostas draconianas e destruidoras de direitos desse governo ilegítimo e usurpador do Temer. O congressinho tem se mostrado como um verdadeiro vendido, desvinculado dos interesses daqueles que os elegeram e verdadeiro representante dos interesses das corporações nacionais e, principalmente, estrangeiras, após a aprovação do fim do regime de partilha do pré-sal que beneficiaria as políticas públicas de saúde e educação com os recursos advindos da exploração dos novos campos do pré-sal. Além de terem realizado mudanças na constituição que lesam a nação pelo período de 20 anos, como o congelamento dos investimentos em saúde e educação, a fim de garantir recursos para o pagamento dos juros da dívida pública, em busca de “investidores” estrangeiros, que nada mais é que um eufemismo para os especuladores internacionais, que não investem realmente no país, mas apenas lucram com a alta taxa de juros. Esse congressinho é o mesmo que deu o golpe e derrubou uma presidente legitimamente eleita e contra a qual não pesava nenhum crime!


Com todo esse descalabro no campo político, as manifestações seriam inevitáveis. E a polícia garantiu a repressão à livre manifestação, direito afiançado na constituição. Mas, como vimos, a constituição não está mais valendo e a justiça decide casuísticamente a fim de garantir seus aumentos salariais, portanto não sendo justa! A polícia já estava agindo arbitrariamente e de forma abusiva, desproporcional, inconstitucional e até mesmo ilegal já há anos nas periferias de nossas cidades, vitimando pretos e pobres. Agora, com o crescimento da exposição da verdadeira característica do Brasil e de seu povo (violento, autoritário, oportunista, machista, patrimonialista, meritocrático, elitista), tem sido mais explícita e mais “democrática” nos abusos, atingindo também filhos de classe média que ousam protestar nas ruas contra esse descalabro. Muitos estudantes tomaram ruas e escolas contra as reformas na educação e contra as leis de restrição de investimentos. A polícia não titubeou em provocar violências com seus infiltrados de forma a justificar ataques  abusivos contra manifestantes. Também não teve nenhum pudor em desrespeitar ações judiciais que garantiam ocupações de escolas, entrando nos estabelecimentos e retirando com uso de força desproporcional os estudantes - menores de idade - que lá se encontravam, sem nenhuma medida judicial. De fato, é preciso repensar o papel da polícia militar neste país, mas isso só será possível com o restabelecimento da democracia, coisa que não se desenha no horizonte próximo.





E no quesito mortes? Este ano também foi terrível. Tivemos os casos da morte do time da Chapecoense por acidente de avião e do time de Uganda em acidente de barco! Foram 72 mortos no avião e 30 mortos no barco. Um avião repleto de músicos e artistas russos que iam para as festas de fim de ano em Alepo, na Síria, se acidentou e matou 92 pessoas. E agora, às vésperas de seu fim, este ano ainda dá mostras de que não pretende terminar sem luta! No próprio dia do natal, um caso de violência estúpida, em que um comerciante de rua é morto na pancada por uma dupla de jovens ignorantes e desequilibrados, apenas porque ele defendeu de agressões uma travesti que estava sendo perseguida por aqueles jovens. A ação aconteceu dentro de uma estação de metrô de São Paulo, onde mais há seguranças, mas que na hora não contava com nenhum para evitar o pior.


E a atriz Carrie Fisher, a eterna Princesa Leia de Star Wars, morreu nesta última semana do ano, deixando a todos nós, fãs, órfãos. O que mais este ano pretende fazer antes de se derreter nos anais da História como um dos piores anos deste início de século? Dá medo só em perguntar…





Gustavo Lopes Borba
28/12/16

Orlando é aqui



Quando me lembro do ataque à casa noturna Pulse, em Orlando – Flórida, ocorrido em 12 de junho, me lembro da música de John Lennon, Imagine, especialmente neste trecho:

Imagine there's no countries
It isn't hard to do
Nothing to kill or die for
And no religion too

“Imagine que não há países
Não é difícil imaginar
Nenhum motivo para matar ou morrer
E sem religião também”

Como seria bom se já vivêssemos tais verdades fundamentais. Para mim, a maior parte das causas da tragédia estão relacionadas nesta simples estrofe da música de Lennon. Vejamos por que.

Na noite de 12/06, um estadunidense filho de imigrantes refugiados do Afeganistão, Omar Saddiqui Mateen, de 29 anos, entrou na casa noturna destinada ao público LGBT Pulse, que fica na cidade de Orlando, no estado da Flórida, e promoveu uma chacina. Primeiro, causou tumulto com tiros disparados, e depois matou 49 pessoas e feriu outras 53, mesmo após a chegada da polícia. Ele portava duas armas. Uma pistola e uma arma de cano longo. Como em todos os Estados Unidos, ele comprou a arma fácil e legalmente, na mesma semana em que as usou contra pessoas inocentes que se divertiam.

O que terá motivado este crime terrível, que é considerado o pior atentado a tiros da história dos EUA, superando o caso de 2007, acontecido na Universidade Virginia Tech, no qual morreram 32 pessoas? Uma resposta rápida e apressada dirá que se trata de questão de fundamentalismo islâmico, ainda mais depois que se divulgou que o atirador discou o número da polícia antes do ataque e expressou lealdade ao Estado Islâmico, grupo fundamentalista que tem tomado terreno na Síria e no Iraque. A verdade é que nunca saberemos as reais motivações, uma vez que o atirador foi morto em troca de tiros com a polícia. Mas podemos refletir sobre o ocorrido.

O pai do atirador, de fé muçulmana, descartou motivações religiosas para o ataque. Diz que ninguém pode julgar os gays, a não ser o próprio Deus. Ele interpreta que o ato tem fundamento em comportamentos homofóbicos do filho. De fato, relatou um ocorrido há 2 meses atrás, quando Omar ficou transtornado ao presenciar dois homens se beijando, durante uma viagem a Miami. Assim, levando em conta o que o pai diz, sua fidelidade à fé muçulmana deve ser moderada e tolerante com a modernidade, de forma a não desejar impor suas crenças às demais pessoas. Dito isso, ele pode manter a afirmação de que não se tratou de um ato fundado no fundamentalismo islâmico. No entanto, ele expressa que gays irão, eventualmente, sofrer o julgamento de Deus, pois isso é o que sua fé espera que ocorra. Portanto, dentro do arcabouço da fé muçulmana que ele interpreta, o julgamento divino virá aos homossexuais por seu comportamento homoafetivo. Outra coisa evidente é que o filho dava mostras de intolerância, vendo as expressões homoafetivas como ofensivas e inaceitáveis.

Isso não é tudo. A ex-mulher de Mateen disse ao "Washington Post" que ele era violento, mentalmente instável e batia nela constantemente enquanto eles eram casados. Os dois ficaram juntos por 4 meses e não se falavam há mais de 7 anos. Ou seja, ele expressava um comportamento de dominação masculina sobre a mulher, que é uma das expressões do fundamentalismo islâmico. Assim, a leitura que o jovem Omar Mateen fazia da sua fé muçulmana parece ser diferente e mais tendente ao fundamentalismo que a leitura de seus pais, que aparecem mais tolerantes.

Podemos dizer então que, apesar da religião não ter sido o componente principal a conduzir ao ato violento de Omar, ela deu a forma para a expressão ideológica que o justificou. E essa ideologia que se expressou por meio da religião islâmica é o machismo, sob o qual Omar achou que seu gesto horrendo teria sentido.

A questão não está restrita à fé muçulmana e nem à situação de imigrantes árabes nos países capitalistas centrais. No dia 10, véspera do atentado praticado na Pulse, dois professores no município de Santaluz-BA foram mortos devido à homofobia. Edivaldo Silva de Oliveira e Jeovan Bandeira foram mortos carbonizados, reconhecidos pela arcada dentaria. Segundo o banco de dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), 318 LGBT foram assassinados no Brasil em 2015, o que representa uma morte a cada 27 horas. São 6,5 Pulse no Brasil, ou uma Pulse a cada 2 meses! Segundo a plataforma internacional de monitoramento de mortes contra a população LGBT Trans Murder Monitoring, em postagem de 12 de maio de 2016, as mortes dessa população no país correspondem a 42% dos casos do mundo todo, em 2016! Considerando desde o ano de 2008, quando iniciaram esse monitoramento, o Brasil responde com 40% do total de casos do mundo! É uma verdadeira nação do ódio contra a população LGBT!

A situação brasileira não deve estranhar, uma vez que os discursos de ódio à população LGBT têm ganhado a mídia ao serem emitidos por figuras proeminentes na sociedade. Pastores de diferentes denominações religiosas têm feito discursos contra a homoafetividade, como Silas Malafaia: “Eu não acredito que dois homens e duas mulheres tenham a capacidade de criar um ser humano”; “Se tiver pastor homossexual, ele perde o cargo”. Membros do Congresso Nacional, como Marco Feliciano (deputado do PSC-SP): “A podridão dos sentimentos dos homoafetivos levam ao ódio, ao crime, à rejeição. Amamos os homossexuais, mas abominamos suas práticas promíscuas”; e Jair Bolsonaro (deputado do PSC-RJ): “seria incapaz de amar um filho homossexual” e que preferia que um filho seu “morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”, além de “se o filho começa a ficar assim, meio gayzinho, [ele] leva um couro e muda o comportamento dele”.

Tais declarações são seguidas de ações contra a comunidade LGBT, como a aprovação de projetos prejudiciais aos direitos dessa população e rejeição de propostas que lhes beneficiam, assim como quando um pai mata seu próprio filho de apenas 8 anos de idade por ele apresentar comportamentos considerados femininos, ou quando o pai agride o próprio filho adolescente de 16 anos por ele ser homossexual, dizendo que iria “tirar o capeta a unha”, ou ser escorraçado de casa aos 17 anos pelo próprio pai por revelar ser gay.

Tais fatos têm em comum a manifestação da intolerância, o embasamento moralista e com fundamentação religiosa, a expressão do ódio por meio de comportamentos violentos, mesmo para com os entes familiares mais próximos. Os deputados acima citados não estão sós na homofobia. Junto a eles estão também aqueles que defendem interesses dos fabricantes de armas, que querem alterar o Estatuto do Desarmamento e promover a liberação do porte de armas para o que eles chamam de “cidadãos de bem”. Se a violência já atinge a população LGBT, inclusive levando à morte, o que ocorrerá quando se liberar o posse de armas?

Tais homofóbicos consideram mais chocante que duas pessoas do mesmo sexo se beijem do que a violência que infligem a eles! Que tipo de pessoa carrega tamanha inversão de valores? A questão está permeada por construções ideológicas, que manifestam sua intolerância por meio de expressões culturais como a religião e o discurso moralista dos valores familiares e respeito à sensibilidade alheia, mas no fundo trata-se de expressar a prevalência do machismo como elemento a dirigir as relações afetivas e sociais, garantindo a dominação masculina na sociedade. Não importa qual seja o veículo a disseminar essa ideologia, o fundamento por trás é sempre o machismo.

E aqui cabe fazer a discussão sobre as religiões, cuja intolerância homofóbica não se restringe ao islamismo, mas também está presente nas diversas denominações religiosas, inclusive na cristã. Não que a expressão religiosa hoje seja eminentemente machista, como o foi no passado, mas há elementos machistas entre as diversas manifestações religiosas atuais, que atuam como disseminadoras do machismo e da intolerância LGBT, assim como há manifestações religiosas que atuam no sentido inverso, promovendo a fraternidade e solidariedade para com essa comunidade.

O caso nos Estados Unidos chocou por se tratar de um alto número de óbitos em um único ataque. Mas a realidade vivida no Brasil não é menos alarmante. Muito ao contrário, é um massacre silencioso de uma população que merece todo o respeito e defesa de sua dignidade, pois o que querem é somente a igualdade de direitos e a equidade de tratamento na sua livre expressão de afetividade, assim como todos nós héteros fazemos. Apesar das motivações do assassino de Orlando não terem tido base religiosa, o machismo que ele aprendeu foi transmitido pela conformação cultural contida na religião. É preciso que todas as religiões e todos os teístas defensores do bem comum e dos direitos humanos realizem um salutar expurgo da ideologia machista contida nas proposições religiosas, contextualizando e problematizando-a aos fiéis, a fim de amadurecer a vivência da fé e promover o fundamental das religiões, o esforço em se religar com o sagrado, inclusive com a expressão do sagrado em toda a forma de amor. O amor sempre vence o ódio.

Dia do orgulho LGBT

Gustavo Lopes Borba

28/06/16 

Governo esculhambado, mas só no que é periférico



Este governo nem bem completou um mês e já perdeu três de seus mais centrais ministros. O primeiro foi Romero Jucá (vomitaço do PMDB-RR), que aparece em gravações feitas pelo delator Sérgio Machado, ex-dirigente da Transpetro, que fechou acordo de delação premiada e acabou estremecendo o governo ilegítimo, pelo temor de outras gravações eventualmente feitas. Depois, caiu o ministro da Transparência, Fiscalização e Controle, Fabiano Silveira, também pego nas gravações de Machado quando ainda era do Conselho Nacional de Justiça (?), a aconselhar o delator e Renan Calheiros (PMDB-AL), atual presidente do Senado, sobre como deveriam agir em relação às investigações da Lava Jato. O mais recente eliminado no paredão do Big Golpe Brasil foi o ex-ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), envolvido nas investigações da Lava Jato pelas delações de Machado. O que esperar de um ministério composto por 7 citados na Lava Jato? Esse governo começa esculhambado.

Mas as esculhambações não param por aí, e o nível cai mais. Uma das primeiras medidas de Temer foi promover uma reforma ministerial, com a extinção de várias pastas e suas anexações a outros ministérios. Com isso, ele acabou anexando o Ministério da Cultura ao Ministério da Educação, voltando a uma conformação que existiu pela última vez em 1985, quando Sarney criou o MinC. Essa decisão gerou uma onda nacional de protestos, dado o descrédito que o usurpador demonstrou pela questão estratégica da pasta, com ocupações de órgãos da Cultura em diversas cidades, o que resultou na volta atrás pelo governo ilegítimo, e a recriação do MinC, assumido por Marcelo Calero, ex-secretário estadual de Cultura do Rio de Janeiro. Antes disso, Temer buscou de todo jeito emplacar uma mulher na antes Secretaria de Cultura do MEC, por meio da senadora (não-se-elege-mais-nem-pra-síndica-de-condomínio) Marta Suplicy (PMDB-SP), que convidou e ouviu um não de Daniela Mercury, Bruna Lombardi, Cláudia Leitão, Eliane Costa e Marília Gabriela.

Essa questão da representação feminina na antes Secretaria de Cultura se inicia pela constituição de um ministério totalmente masculino, idoso, branco e rico. Em 23 pastas, não há uma só mulher. É um gabinete totalmente testosterona. Depois de uma composição tão variada e diversificada como foi o de Dilma, torna-se marcante essa esculhambação, digo, formação de Temer. Por isso a ânsia em conseguir uma mulher por Marta, mas que acabou com Calero, mesmo.

Para dar uma satisfação, Temer colocou uma mulher na Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do Ministério da Justiça e da Cidadania, a ex-deputada federal Fátima Pelaes (PMDB-AP), mas já reavalia sua nomeação, antes mesmo da cerimônia de posse, devido ao envolvimento de Pelaes em investigação do Ministério Público. O gabinete de Temer é o gabinete esculhambado dos investigados que ganharam foro privilegiado! Como ex-quase-secretária especial das mulheres, Pelaes afirmou publicamente ser contra o aborto, inclusive em casos de estupro e não agrada movimentos feministas, principais articuladoras da causa das mulheres. Além disso, como propostas para responder à comoção nacional causada pelo estupro coletivo de uma adolescente de 16 anos, surge uma concepção policialesca de repressão e controle social de periferias, com reforço de presença da polícia militar em áreas reconhecidas com altos índices de violência doméstica.

E para promover a melhoria de nossa educação e explorar a diversidade de boas ideias sobre o tema em nosso país, o ministro ilegítimo da Educação, Mendonça Filho (DEM-PE), recebeu em seu gabinete, sem que estivesse marcado em sua agenda, o eminente conhecedor do tema, senhor Alexandre Frota, juntamente com outra sumidade, o republicano fundador do Revoltados Online, senhor Marcello Reis. Talvez eles detenham notório saber ou experiência, desconhecidos da patuleia, o que justificaria a prioridade com que foram agraciados, antes que qualquer outro grande educador ou pedagogo das inúmeras universidades do país. Para medir a importância da visita, basta uma breve e superficial olhada na repercussão de especialistas a uma proposta apresentada ao ilegítimo ministro, a da “escola sem partido”.

Por falar em experiência, o governo Temer tem promovido também a Saúde, buscando implementar uma alteração na Constituição Federal que lhe permita limitar os percentuais a serem destinados à pasta, juntamente com a Educação. A repercussão dessa e de outras medidas do governo ilegítimo estão agradando os profissionais da área (sarcasmo alert). Em maio, o reconhecido ícone da luta contra a Aids e ex-membro do corpo técnico da Organização Mundial de Saúde (OMS), Fábio Mesquita, que atuava desde julho de 2013 como diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, anunciou sua saída do governo interino de Michel Temer, alegando incompatibilidade com as novas diretrizes para o setor. A esculhambação do governo ilegítimo golpista tem afastado profissionais competentes, pela sua substituição ou pela saída voluntária. O fato é que eles não cabem no governo esculhambado, quando há tantos apadrinhados golpistas a contemplar!

Diante de tanta esculhambação, há quem diga que Temer não sabe governar, que é muito frágil diante dos recuos causados pela pressão das ruas. Para tudo isso, ele tem uma resposta que escancara com chave de ouro a esculhambação de seu governo: um tapa na mesa e a afirmação de que sabe tratar com bandido. Também, num governo com tantos indiciados e citados em investigações, deve mesmo saber tratar com bandidos, para trabalhar com eles!

Mas todo esse cenário de esculhambação acontece no que é periférico para esse governo ilegítimo, golpista e usurpador. Nas questões centrais aos objetivos que motivaram sua chegada ao poder não vemos esculhambação. Eles conseguem ser cirúrgicos e sistemáticos, com foco no que pretendem. Afinal, foi pra isso que conspiraram. A privatização do patrimônio brasileiro e sua entrega aos gananciosos do deus mercado, a precarização das condições de trabalho com restrições nos direitos trabalhistas, direitos previdenciários e valorização do salário mínimo, com facilitação para a exploração da mão de obra nativa, realinhamento com política exterior subserviente aos interesses do Império estadunidense, que já começou com a espionagem prestada pelo atual usurpador Temer e continua com a ida do capacho Nunes (PSDB-SP) aos EUA para prometer mundos e fundos, e com a postura já declarada publicamente de Serra (PSDB-SP) quanto à nova atitude da chancelaria brasileira.

Os pontos centrais que os usurpadores querem conseguir no tempo que permanecerem no governo, e sem esculhambação, são:

a) Fim da CLT. Antes sendo proposto de forma parcelada, agora fala-se abertamente neste acinte aos direitos trabalhistas, em ampla sintonia com o patronato.

b) Reforma da Previdência. Usando como desculpa a necessidade de realizar o ajuste fiscal para o equilíbrio das contas do governo, propõe-se a mais dura reforma da Previdência. Um dos argumentos usados já foi desbancado, que é a falsa ideia de quebra da Previdência, desmentida por diversas vezes, a última delas foi citada na Carta Capital.

c) Privatização de empresas estatais: Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Petrobras. As joias da coroa, as empresas mais cobiçadas e, por isso mesmo, não privatizadas no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) pela mobilização popular, entram na pauta de privatizações, num exercício de lesa-pátria desses usurpadores ilegítimos. Empresas estratégicas para a garantia da gestão soberana de uma nação serão entregues à exploração capitalista de grupos poderosos. Será a submissão do país a interesses estrangeiros.

d) Desintexação da valorização do salário mínimo e dos benefícios previdenciários. Tais medidas atingem diretamente trabalhadores de baixa renda e aposentados e pensionistas da Previdência. Além de serem as classes com menores rendimentos, ainda sofrerão com as maiores perdas frente à inflação.

e) Desvinculação das receitas da União. O maior ataque à Constituição Federal e a maior violência contra a maioria da população brasileira. Quem hoje pode arcar com custos com saúde e educação? As políticas públicas são uma forma de transferência de renda e acesso aos direitos de cidadania. Quando o governo ilegítimo propõe o aumento na desvinculação das receitas da União, está propondo o fim da oferta pública de direitos sociais e mostrando seus vínculos com interesses privados.

Nestes pontos o governo usurpador não deverá voltar atrás. Ele tem caminhado devagar, entretanto. Na verdade, ele espera a passagem das eleições municipais para disparar sua metralhadora de maldades com toda a força.

Isso, se ele não esculhambar tudo no caminho, com a queda quinzenal de ministros.

Gustavo Lopes Borba

19/06/16