Um fato chocante marcou as manifestações durante a grande Greve
Geral de 28 de abril. Um estudante universitário teve traumatismo craniano
quando foi atingido na face por um policial, cujo cassetete usado no ato ficou
totalmente destruído. A revolta frente a tamanho abuso do poder de repressão da
força policial é muito grande. E maior ainda por conta da impunidade que impera
quando os grupos envolvidos têm como julgadores seus próprios pares.
Falamos de policiais, cujo evidente despreparo fica
flagrante durante eventos de grande monta como essa fantástica Greve Geral contra
as “reformas” desmontes da previdência e da legislação trabalhista, mas também
em outras ações, como as famigeradas reintegrações de posse contra miseráveis.
Mas pior que o despreparo é quando as ações da polícia colocam em prática uma
crença coletiva de que qualquer manifestação social contrária à preservação da
situação atual merece dura repressão, com exagero de força, a fim de
desestimular ações futuras. É a polícia agindo como braço armado repressor de
contestações que coloquem em xeque a ordem dominante, que favorece apenas aos
grupos sociais que se privilegiam da forma atual como está a sociedade.
O que aconteceu com Mateus, o estudante atingido covardemente
na face pelo capitão Augusto Sampaio, subcomandante da 37ª Companhia Independente
da Polícia Militar de Goiás, está totalmente fora do padrão da ação de
contenção da polícia militar, fato reconhecido pelo secretário de segurança
pública de Goías, Ricardo Balestreri, que “se posicionou
por meio de uma rede social condenando a ação do policial militar. Ele declarou
que todo PM sabe que não deve atingir ninguém na cabeça durante tentativa de
imobilização. O secretário também reconheceu que a PM nem sempre recebe os
equipamentos e treinamentos necessários para progressão da força”.
Mas todos sabemos o que vai acontecer com o capitão Augusto
Sampaio em decorrência de sua ação abusiva: nada! Aliás, podem acontecer várias
coisas: pode receber congratulações dos colegas, pode ser discretamente ou
descaradamente premiado pelos “serviços prestados”, pode ser “punido” com sua
transferência ao serviço administrativo da corporação. Mas não vai pagar pelo
abuso cometido.
Isso porque a polícia é uma força corporativista. E o que
ocorre na polícia não é exclusividade dela. O corporativismo está presente
também entre aqueles que deveriam julgar os abusos, os juízes, assim também
como está entre os médicos e entre os padres/pastores religiosos. Um dos
significados de corporativismo
é: “defesa que prioriza a categoria profissional ao invés da sociedade de uma
forma geral”. Ou seja, tais grupos profissionais se defendem uns aos outros, ao
invés de promover uma investigação e consequente punição isentas e justas. E
isso acontece porque os que julgam pensam mais em como gostariam de serem
tratados caso estivessem sob a investigação dos colegas. Como grande parte
deles sabe que têm a que ser condenados, preferem estabelecer uma ação de
proteção aos pares, a fim de que, caso chegue sua vez de serem julgados,
receberem também um tratamento mais suave, mais protetivo.
É claro que há exceções. Evidentemente que há ótimos
policiais, protetores dos cidadãos, garantidores da lei, combatedores dos
abusos no uso da força, seja por terceiros ou por colegas de corporação.
Evidentemente que há bons médicos, cuja atuação é baseada na ética profissional
e que nunca cometeriam abusos criminosos como os de Roger Abdelmassih.
Assim como há padres/pastores religiosos com dedicação exemplar à causa do
evangelho e da religião. Juízes cuja conduta é exemplar e representativa da
prática da verdadeira Justiça. Isso é fato. Não se pode negar isso. Mas também
não se pode negar que os casos de bons exemplos não podem encobrir ou fazer
negar a existência dos que cometem abusos e crimes e usam da força do coletivo
profissional para acobertarem seus maus feitos. E quando criticamos abusos e
crimes, quando destacamos características negativas de determinados membros de
alguns desses grupamentos profissionais, não nos referimos à totalidade desses
profissionais, mas àqueles que justamente se encaixam na descrição feita.
Então, quando nos referimos aos policiais despreparados,
desequilibrados, assassinos, bandidos fardados, cachorrinhos do Estado,
capitães do mato modernos, não queremos generalizar para todos os policiais,
mas queremos nos referir justamente àqueles que se adequam a tal descrição,
pois eles existem, e são muitos! E é preciso que se fale deles, pois eles
constituem uma verdadeira banda podre na polícia. É preciso rediscutir o papel
da polícia, assim como é preciso rediscutir o que se espera da polícia em
tempos de suposta democracia. Pois, desde o golpe que derrubou uma presidenta
legitimamente eleita, estamos em estado de exceção, sem vigorar a democracia.
Mas a sociedade precisa da polícia, assim como a polícia não
tem sentido se não estiver a serviço da sociedade, e da sociedade como um todo.
É preciso uma polícia cidadã que saiba lidar com os ricos nos bairros nobres e
com os pobres nas periferias. É preciso uma polícia que reconheça os direitos
de cidadania, que saiba que questões sociais não se resolvem com ela, que atue
integrada às comunidades em que se faz presente, e não como força armada
invasora, violando direitos de pessoas que não cometeram nenhum crime, apenas
por serem pobres e pretas. A polícia é necessária, desde que não seja mais uma
força a reprimir os anseios legítimos da parte mais vulnerável da sociedade,
mas que garanta aquilo que é seu papel precípuo: a segurança pública.
Gustavo Lopes Borba
02/05/17